Wednesday, October 22, 2008

Z32, by Avi Mograbi

Se um soldado mata um "inimigo" é um assassino? Se ele gostou dessa sensação de ter morto o "inimigo" é um assassino? E se o "inimigo" não estivesse armado? E se o "inimigo" não tivesse feito mal nenhum, a não ser "ser inimigo"? E se fosse a tal morte ocurresse numa operação de "vingança", cuidadosamente planeada? Quando é que passa a ser um assassínio? Independentemente de ser ou não um assassínio, pode perdoar-se-lhe?

Escusado será dizer que não sei. Mas mesmo não sabendo bem a resposta, acho melhor que se façam perguntas do que fiquem esquecidas ou ignoradas.

Em Z32, um soldado israelita conta como a sua unidade matou dois polícias palestinianos numa missão de vingança. Seis israelitas tinham sido mortos no dia anterior num posto de controlo e houve uma ordem para que, em retaliação, se atacassem uns postos palestinianos e se matasse os palestianos que lá estivessem. No posto do qual a sua unidade estava encarregue, conseguiram matar dois homens, que depois constataram que estavam desarmados. Ele conta que, na altura, gostou. Agora vê o episódio de um modo diferente, mas, na altura, gostou.

Durante o filme, a história é repetida vezes sem conta, com mais ou menos pormenor. Tive a sensação que a ideia era experimentar se ela faria mais sentido ou deixaria de nos incomodar, se a ouvíssemos repetidamente. Algumas vezes, era o dito soldado que a contava. Contava à namorada, tentando explicar-lhe (o inexplicável?) o que se passou, ou contava-a directamente para a câmara, numa pose de testemunho, na sala do realizador, ou contava-a no local onde a tal operação se passou. Outras vezes, o soldado pedia à namorada que contasse ela, que ela contasse como se fosse ele. Ela fazia um esforço, mas sofria do mesmo que as pessoas que nunca foram à guerra. É difícil compreender. No meio disto, há interrupções musicais surreais, em que o realizador reflecte sobre este assunto, numa sala repleta de um número manifestamente exagerado de músicos para o espaço disponível.

De um ponto de vista macroscópico, eu admito que algumas guerras possam sentido. Para que isso aconteça, é necessário que haja um "nós" e "eles" muito bem definido. É preciso seja bem claro quem são os bons, nós, inevitavelmente, e os maus, eles, o inimigo. Se para admitir o sentido da guerra, é preciso admitir que "todos eles" são o "inimigo", essa noção é ainda mais necessária para os que vão combater. No treino para combate, é absolutamente essencial definir o inimigo e desumanizá-lo totalmente. Depois, períodos de treino intenso, intercalados por períodos de inactividade, privação do sono, mudanças contínuas de locais e outras coisas mais farão o necessário para se entrar no espírito. Se o inimigo fosse humano, não seria necessário um estômago muito mais forte para "entrar no espírito", como, em última análise, a guerra perderia inevitavelmente sentido.

E quando a guerra acaba? As pessoas que voltam da guerra não são as mesmas que foram para a guerra, mas também não são as mesmas que foram durante a guerra. Há que lidar com todas as imagens e todos os actos pelos quais se passou; há que lidar com quem ficou; há que lidar com quem não foi e tem uma opinião.

Muitos de nós, eu incluída, temos uma imagem crítica do exército israelita. A dimensão brutal das suas respostas aos ataques dos seus vizinhos tornam a sua causa pouco simpática. Discordando da política militar, que atitude ter perante os indivíduos que fazem parte do exército? Será que são eles os "maus"? E já eram antes, ou ficaram durante? E ficarão para sempre?

Gostei muito deste filme. É pertinente e é mostrado de uma maneira meia louca, que achei muito boa. Fez-me lembrar, de algum modo, o War Tapes, de Deborah Scranton, sobre soldados americanos no Iraque e o livro The Welsh Girl, de Peter Ho Davies, sobre um prisioneiro de guerra alemão num campo no País de Gales, após a segunda guerra mundial.

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