Na passada sexta-feira, de novo no grande auditório da Culturgest, foi a vez de Hot House, o nosso último filme programado para o DocLisboa.
Hot House, realizado por Shimon Dotan, é tal como The Devil Came on Horseback, um documentário político. Fala-nos de outro dos conflitos que nos assolam, este em aberto há anos entre Israelitas e Palestinianos, mas longe ainda de um resolução fácil à vista.
No entanto, embora seja político como o filme anterior, afasta-se dele por ser um filme cinzento. Ver cadáveres amontoados, corpos carbonizados e mutilados gera revolta, ira, impotência, necessidade de actuar, de dizer basta, que isto não pode mesmo, de maneira nenhuma, ser assim. Gera até vontade de não deixar em muito bom estado as pessoas responsáveis por estes crimes. Mas não gera grandes dúvidas.
Neste caso, foca-se um ponto muito específico da relação entre Israelitas e Palestinianos, no qual nos é dada uma visão longe de facilitismos do preto e branco, certo e errado, bons e maus. Convida-nos, sem dúvida, à reflexão não só sobre o conflito, mas sobre a relação com os outros, sobre diferenças e igualdades, sobre o ódio e a tolerância.
Este documentário mostra entrevistas de presos palestinianos em Israel. Não o típico preso, calculo eu, mas algumas das "grandes figuras" da Fatah e do Hamas. As prisões escolhidas também não devem ser as típicas prisões, pois, dentro daquilo que uma prisão pode ter "bom aspecto", estas tinham-no.
Dentro destas prisões (uma de homens e uma de mulheres, cujos nomes, não me lembro), há hierarquias e grupos bem definidos: celas para homens da Fatah e do Hamas, que acompanham os movimentos das suas facções no mundo exterior e tentam intervir sempre e como podem. A comunicação com o exterior é um dos grandes problemas de segurança para os responsáveis pela prisão, não pela intervenção na vida política dos partidos, mas pelo planeamento e coordenação de atentados.
A participação e planeamento de atentados terroristas é aliás a causa pela qual muitos dos entrevistados estão na cadeia, grande parte com penas elevadas (demasiado elevadas, em alguns casos, pareceu-me a mim). Ao longo do filme, vão falando dos motivos que os levaram à prisão, das forças de ocupação, do seu envolvimento na Fatah e no Hamas, da sua vida diária na prisão e da Jihad. Mas, com muito poucas excepções, todos eles têm um discurso racional, distante de radicalismos inflamados. Claro que é um discurso contra as forças de ocupação, que lhes negam continuamente o direito à terra e ao país, que fazem com que inúmeros Palestinianos tenham vivido toda a vida num campo de refugiados, mas os seus argumentos são maioritariamente de políticos, não de extremistas religiosos. Falam da Jihad com algo que lhes pareceu a única alternativa para lutar uma guerra desequilibrada e a maioria lamenta as baixas civis, que reconhecem acontecer dos dois lados. É uma "alternativa" muito, mas muito discutível, eu sei.
Contra os estereótipos, estas pessoas, presas como terroristas, muitas envolvidas em ataques suicidas, não têm um aspecto de loucos perigosos, não parecem bandidos sanguinários. Têm, isso sim, um discurso político, informado, reivindicativo dos seus direitos, que nos faz inevitavelmente perguntar porque raio é que eles estão na prisão. Grande parte dos detidos usa a sua pena para estudar, para ler; muitos têm graus da Universidade Hebraica (o estudo em árabe é proibido), elegendo quase sempre Política Internacional ou algo semelhante. Acho até que nos identificamos com eles ao longo do filme. O que faríamos nós se fosse o nosso país?
Mais para o final, as declarações mais chocantes: um rapaz diz que se tivesse filhos, que os armava e os mandava para a guerra; uma mulher sorri enquanto lhe é dito que oito crianças israelitas morreram num atentado que planeou e a mesma mulher tenta defender que ao enviar um bombista suicida para um atentado lhe estava a conceder o seu maior desejo e que era, por isso, como dar dinheiro a um pobre.
E ficamos cheios de dúvidas. Não é justo que os Palestianos não tenham direito à sua terra, do mesmo modo que não é justo que se expludam autocarros e restaurantes para a recuperar. Israel impõe-se frequentemente usando uma força completamente desproporcionada para "impôr respeito" entre os seus vizinhos, mas será que se isso lhes dá carta branca para matar?
A minha cabeça é pequenina e há coisas que eu não consigo entender. Sei que elas existem, percebo como se originam e porque é que têm sucesso, mas não as compreendo. Uma delas é este sentimento estranho que leva à ideia de que a vida de alguns vale menos do que a de outros (será que é ódio?) e como tal, o facto de se atentar contra a sua vida não é grave, porque a vida deles quase nem conta, ou porque foram eles que começaram, ou porque eles são nitidamente maus, ou porque eles são todos terroristas, ou porque é preciso mostrar uma posição de força ao governo deles. Não sei bem, mas talvez a base do problema esteja nesta grande distinção entre nós e eles.
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