Sunday, October 28, 2007

The Devil Came on Horseback

Depois do primeiro doc ter corrido tão bem, ficámos muito entusiasmados para experimentar outros.

Fomos, na quarta-feira, ver The Devil Came on Horseback, ao cinema Londres. (Embora não esteja directamente relacionado com o filme, devo dizer que o grande auditório da Culturgest, é bem mais confortável.) Este documentário, realizado por Annie Sundberg e Ricki Stern, mostra o testemunho de um ex-capitão do US Marines, Brian Steidle, durante os seis meses que esteve no Darfur, como observador não armado.

No início, é-nos dado um curto background sobre Brian: cresceu numa típica família dos EUA, com uma longa tradição militar. Por isso, alistar-se no exército foi uma escolha fácil e natural para ele. Quando acabou o seu contracto com o exército americano, aceitou um emprego como observador no Darfur. O seu trabalho, com base no sul do país era monitorizar o cessar fogo com o norte. Os dias lá passavam sem agitação de maior, mas chegavam constantemente rumores de confrontos e problemas na região mais a oeste, o Darfur.

Brian decide então concorrer para uns lugares que a União Africana abriu para ocidentais integrarem os seus grupos de observadores no Darfur. Mais uma vez, o seu trabalho era monitorizar o cessar fogo, mas agora entre os rebeldes do Darfur e o governo. Aqui podem ter acesso ao site da associação porDarfur e ler mais sobre as razões históricas que levaram a este conflito, mas, basicamente, o governo e os Janjaweed (milícias árabes armadas e treinadas também pelo Governo) estão a tentar exterminar a população negra do Darfur, em resposta à acção de grupos rebeldes que lutavam por mais direitos e autonomia para os negros, que são historicamente eram escravizados pelos árabes. Ambos os grupos praticam maioritariamente o islamismo e ambos falam árabe. Não é uma questão religiosa, mas étnica.

Estando numa missão de monitorização, o seu papel era apenas (e mais uma vez) de observador: tinha que registar qualquer quebra do cessar-fogo, não podendo intervir em qualquer situação. Mesmo que pudesse, certamente que desarmado não iria muito longe. A sua arma mais poderosa durante este tempo foi provavelmente a lente da objectiva, o que se tornou algo frustrante. Seis meses e muitos relatórios depois, Brian sente-se impotente perante as atrocidades que testemunhou e decide abandonar o Sudão.

Quando volta para a América, leva consigo todas as provas do genocídio a que consegue deitar as mãos. Algum tempo mais tarde, as suas fotos são publicadas (no Washington Post, se não estou em erro) e a partir daí começa, com efeito bola de neve, uma campanha sobre o que viu. Foi a talkshows, fez comícios e palestras e chegou mesmo a ser recebido por Condoleeza Rice. Mas se sentiu impotência e frustração no Darfur, não os sente menos de volta a casa. Embora seja visível que a sua mensagem vai passando e que há pessoas a manifestar-se ao lado dele na rua, sente também que, no terreno, nada tinha mudado.

No Darfur, Brian tinha pensado muitas vezes que o mundo assitia impávido porque não sabia do que se passava. Não havia jornalistas no Darfur e fotos como as suas eram extremamente raras nos nossos telejornais. Assim que o mundo soubesse que se matavam e violavam pessoas, que se queimavam aldeias inteiras por questões étnicas, não teria outra escolha se não intervir. Constatar que assim não era foi um golpe duro para Brian.

Este foi um documentário muito diferente do anterior. Um documentário nitidamente político, que nos mostrou imagens que já vimos, mas que precisamos de continuar a ver até que haja suficiente pressão internacional para que se possa parar com isto. Ao longo do filme, pensei diversas vezes, como as imagens de Brian me lembravam os filmes que vi sobre o genocídio do Ruanda (Shooting Dogs e Hotel Ruanda). Embora esses tenham sido ficção, foram ficção sobre algo que tinha verdadeiramente acontecido e pensar nisso é assustador. Por isso, pensar nas imagens de Brian, que não são de todo ficção, é mais assustador ainda.

Nota: O Governo do Sudão decretou por estes dias um cessar-fogo unilateral no Darfur em resposta a pressões da ONU. Mas ainda não estou muito certa que seja desta que acabe o genocídio.

Governo do Sudão decreta cessar-fogo - Expresso 27 Outubro 2007
Brian Steidle
The Devil Came on Horseback
DocLisboa - 24 Out 2007

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