Sunday, October 21, 2007

Santiago

Ontem, fui ao DocLisboa, ver o documentário Santiago no grande auditório da Culturgest.
Numa palavra, adorei.

Ia um pouco à aventura. Pelas descrições fornecidas no programa, este tinha parecido interessante, mas não tinha bem certeza do que iria ver. Poderia, de um modo igualmente fácil, ser aborrecido, pretencioso ou demasiado "artístico" ou rebuscado. Não foi. E ainda bem.

Santiago
é o último documentário de João Moreira Salles, um dos quatro filhos do banqueiro e embaixador brasileiro Walter Moreira Salles, fundador do banco que se tornou no actual Unibanco. Dos seus irmãos, apenas Pedro seguiu as pesadas do pai e, segundo a Wikipédia, é gestor no Unibanco; Fernando é editor e Walter Jr. é realizador (dirigiu Central do Brasil e Os Diários de Che Guevara).

Mas voltemos a João e ao seu documentário Santiago. Este é um filme sobre um outro filme que nunca chegou a ser.

Em 1992, João tinha decidido fazer um documentário sobre Santiago, o mordomo argentino que trabalhou na Casa da Gávea, uma luxuosa mansão no Rio de Janeiro, onde João viveu com a família até aos seus 20 anos de idade. Para esse documentário, Santiago foi filmado em diversas divisões da sua casa, um apartamento no Leblon, onde vivia sozinho. Envolto em enquadramentos severos (como o próprio realizador afirma), numa imagem a preto e branco, Santiago falou de si, da sua infância, da experiência na Casa da Gávea e dos seus "amigos" durante cinco dias de filmagens. Durante esse tempo, repetiram-se cenas, discursos, poses. João sabia o que procurava, as imagens estavam na sua cabeça e, para que saíssem como ele as tinha visto, ia dando instruções precisas e rigorosas ao seu personagem. No entanto, apesar das notas, dos planos rigorosos, de uma direcção definida, João não conseguiu montar o filme. Foi o único filme que deixou por acabar. Santiago morreu alguns anos depois das filmagens.

Quinze anos mais tarde, João volta a pegar no seu material de 1992 e surge Santiago. Um documentário em jeito de confissão e penitência. Nele, João reflecte sobre si próprio, sobre o filme que teria feito em 92, sobre a diferença que sente nos quinze anos que passaram. Mostra-nos aqui o que nunca é mostrado: os guiões, os tempos de espera, as repetições, as ordens, os pequenos pormenores de improviso ensaiados. Mostra um João arrenpendido por não ter deixado de ser "o filho do patrão", dirigindo o seu velho mordomo. Mostra-nos ainda a riqueza de Santiago; sem dúvida, um personagem magnífico, mas, acima de tudo, um homem impressionante. Culto, sensível, poliglota, com uma memória invejável e uma grande diversidade de interesses.
Aquando das filmagens, Santiago (segundo as palavras do próprio) vivia "muito contente; não feliz, mas muito contente", no seu apartamento. Embora vivesse sozinho, sentia-se, no entanto, acompanhado pelos personagens históricos cujas vidas ele estudava com afinco. Ao longo de trinta anos, dactilografou, numa velha máquina de escrever, mais de trinta mil páginas cheias de vidas de outros. Famílias aristocráticas, dinastias e linhagens, civilizações antigas, músicos, actores e bailarinos famosos; eram esses os seus "amigos" de longa data. Não eram todos iguais: havia preferidos, os que o encantavam, mas havia alguns que ele desprezava e classificava de bandidos e traidores. As suas vidas, as histórias, as intrigas fascinavam-no e ele ia copiando e compilando, juntando, quando considerava acabado um dado assunto, as folhas em maços que atava com uma fita que mandava vir de Paris.

Para saberem mais, vejam o filme. Na minha opinião, a não perder.

Instituto Moreira Salles
IMDB - João Moreira Salles
DocLisboa - 20 Outubro 2007

2 comments:

Joaquim said...

Já tinha lido sobre o filme e tinha alguma curiosidade. Agora tenho ainda mais, não sei é se estrei cá em cima (escreves mta bem confri).

ACA said...

'Brigada, Quim, mas acho que é mais efeito do filme, que é tão fixe.

PS: Há dois docs mais antigos deste tipo que me parecem interessantes. Um sobre a campanha do Lula e um outro sobre confrontos entre polícia e gangues de favelas.