Thursday, January 15, 2009

Ainda sobre o mesmo...

Embora tenha lido as notícias bem mais cedo, acabei por só ver as imagens lá para o fim do dia. Enquanto não as vi, alimentei a esperança ingénuo-estúpida de que não fossem tão más quanto são. Com aquela pequeno detalhe do contexto, talvez pudesse ser diferente. Mas não é. O vídeo é muito pior do que a leitura. Brrr...

Continuo sem perceber o que terá passado pela cabeça do Cardeal para dizer uma coisa destas. Aliás, além do óbvio, o fio condutor do discurso não faz sentido (pelo menos neste clip, aqui não sei como seria a versão não editada): começa por dizer que é preciso ter cuidado com os amores pelos muçulmanos, passa para "o diálogo é difícil porque os muçulmanos não querem dialogar" e termina dizendo que os portugueses não sabem o suficiente sobre os muçulmanos e que é preciso conhecer para respeitar. No mínimo, pode dizer-se que é uma linha de raciocínio estranha, muito estranha.

Como todas as generalizações, estes comentários são de uma profunda injustiça. Não estou, com isto, a pôr em causa a minha firme convicção de que homens e mulheres são cidadãos de plenos direitos que devem ser respeitados como iguais em qualquer parte do mundo. Não abro excepções para motivos religiosos ou culturais como justificação aceitável para a discriminação ou abuso das mulheres. Sei, ainda assim (ingénuo-estúpida, mas nem tanto), que a discriminação e o abuso ocorrem em muitas partes do mundo, em diversos graus de seriedade, com mais ou menos protesto ou aceitação por parte da sociedade. Lembremo-nos que esta ideia que todas as pessoas têm direitos iguais é um fenómeno relativamente recente em toda a parte. Lembremo-nos que, em Portugal, por exemplo, as restrições aos votos das mulheres só terminaram em 1968, que lhes estavam vedados determinadas posições, que não podiam assinar contratos de trabalho ou sair do país sem o consentimento dos maridos.

Por outro lado, voltando aos comentários, se "os muçulmanos" não queriam dialogar, calculo que pérolas destas não facilitarão o diálogo. Além disso, não sei se começar por ler o Corão é a melhor maneira de conhecer "os muçulmanos", do mesmo modo que não me parece que ler a Bíblia permita conhecer "os cristãos". No Antigo Testamento, por exemplo, há muitas passagens pouco simpáticas (no mínimo) para as mulheres.

Por último, talvez continuando no meu estilo ingénuo-estúpido, parece-me que cada indivíduo é muito mais do que a religião que professa. E aposto, que por trás de uma barreira de diferenças (às vezes, muito pouco diferentes) religiosas, há muitas semelhanças inerentes à condição humana que, para contrariedade de muitos, todos partilhamos.

Além disso, ouvir estes comentários só me fez lembrar o discurso anti-religioso que ouço cá em casa: o da necessidade das religiões cerrarem fileiras e do paradoxo que é o diálogo inter-religioso, argumentos que o meu lado racional e cínico não pode deixar de aceitar. Estes comentários tornam mais fraco o meu argumento (ingénuo-estúpido?) que podemos coexistir todos com respeito e harmonia. Além de tudo o mais, isso irrita-me.

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